quinta-feira, 5 de maio de 2016

A PROVA TÉCNICA NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS


Por: Marcelo Gamboa Serrano
Sócio-Titular do escritório Gamboa Serrano Advogados Associados                  
 

Um dos meios de prova admitidos no Direito é a conhecida prova pericial ou prova técnica.
Dependendo do objeto da ação, nenhuma outra prova é capaz de atestar a real causa do problema alegado em exordial, ainda mais quando se trata de relação de consumo onde o simples fato de o fornecedor ter contra si a inversão do ônus da prova em virtude da hipossuficiência do consumidor, já o deixa em situação notadamente frágil na questão probatória do processo.
  De qualquer forma, há que se avaliar a relação "custo x benefício" da produção de tal prova, principalmente quando o fornecedor já conhece o problema eventualmente existente no produto ou quando o valor do próprio produto, somado ao risco do processo, não compense os custos que serão desembolsados com ela.
Como se sabe, os valores normalmente arbitrados para a produção de uma prova pericial não são baixos, portanto, tal prova deve ser produzida quando se tem indícios muito fortes de que estejam presentes uma das hipóteses de ausência de responsabilidade do fornecedor, como problemas causados por terceiros estranhos à cadeia de fornecimento, ausência de vícios ou defeitos ou, ainda, para provar que o produto reclamado não tenha sido colocado no mercado pela empresa requerida.
Sabemos, ainda, que o Juizado Especial Cível, criado com o advento da lei 9.099/95, veda em princípio, a produção de prova técnica, já que se destina à apreciação de objetos de menor complexidade e cujo valor não exceda os 20 salários mínimos (sem advogado) ou 40 salários mínimos (com advogado).
No entanto, conforme previsto no Art. 35 da lei 9.099/95, existe a possibilidade de o magistrado, de oficio ou a requerimento das partes, determinar a realização de uma vistoria técnica, que não chega a ser uma perícia aprofundada mas pode determinar a causa ou inexistência do problema alegado pelo consumidor, senão vejamos:
Art. 35 Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.
Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado.

O que se verifica é a recusa sistemática dos magistrados na realização dessa prova, mormente quando o consumidor junta fotos, de tal sorte que incumbe à parte impugnar tais documentos produzidos de forma unilateral e fundamentar adequadamente o pedido para que a recusa na produção dessa prova possa se configurar em cerceamento de defesa.
Por vezes, essa vistoria poderá ser feita até por um oficial de justiça, sendo certo que, caso seja constatada a complexidade do objeto, evidente restará que a demanda não poderá mais ser apreciada e julgada pelos Juizados Especiais, devendo a ação ser julgada extinta sem julgamento do mérito para que venha, a critério do consumidor, a ser distribuída em uma das varas comuns, já que a doutrina entende de forma clara essa possibilidade.
Senão vejamos o quanto prescreve Humberto Theodoro Júnior na obra Curso de Direito Processual Civil. 31ª ed., v. III, p. 436.
"A prova técnica é admissível no Juizado Especial, quando o exame do fato controvertido a exigir. Não assumirá, porém, a forma de uma perícia, nos moldes habituais do Código de Processo Civil. O perito escolhido pelo Juiz será convocado para a audiência, onde prestará as informações solicitadas pelo instrutor da causa (art. 35, caput). Se não for possível solucionar a lide à base de simples esclarecimentos do técnico em audiência, a causa deverá ser considerada complexa. O feito será encerrado no âmbito do Juizado Especial, sem julgamento do mérito, e as partes serão remetidas à justiça comum. Isto porque os Juizados Especiais, por mandamento constitucional, são destinados apenas a compor 'causas cíveis de menor complexidade"       
Portanto, deve o fornecedor se cercar de todos os cuidados e documentos que demonstrem a condição em que o produto foi entregue ao consumidor, e colher dele o máximo de comprovantes possíveis, precavendo-se de um prejuízo pautado na fragilidade comprobatória.

Caso não o tenha, poderá lançar mão da prova técnica, ainda que na esfera dos Juizados Especiais Cíveis, a seu critério. 

terça-feira, 29 de março de 2016

O DIREITO À ASSISTÊNCIA TÉCNICA EM PRODUTOS CUSTOMIZADOS

Por: Marcelo Gamboa Serrano
Sócio-Titular do escritório Gamboa Serrano Advogados Associados

                  Muito se fala sobre o direito dos consumidores inerente à assistência técnica em caso de vícios ou defeitos apresentados no produto.
Não há dúvida quanto a tal direito mas, pensando estrategicamente na questão, por qual motivo o fornecedor não o faria?
Por óbvio, em situações claras de problemas oriundos de mau uso, culpa de terceiros ou de que o produto não tenha sido colocado no mercado (produtos de outros fornecedores ou falsificados, por exemplo), as empresas fornecedoras não têm a obrigação de prestar assistência técnica, nos moldes do Art.12, §3º do Código de Defesa do Consumidor (ou Art. 14 no caso de serviços) que assim determina:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
        § 1° ....
        § 2º ....
        § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
        I - que não colocou o produto no mercado;
        II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
        III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No entanto, quando o consumidor, nos moldes do artigo 18, §1º da mesma lei, não tiver seu problema resolvido dentro do trintídio legal ou prazo estipulado em contrato (Art. 18, §2º), poderá optar entre a substituição do produto, rescisão contratual ou abatimento proporcional do preço, conforme se verifica abaixo:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
        I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
        II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
        III - o abatimento proporcional do preço.

Desta forma, de acordo com o seu interesse ou vontade, sem qualquer tipo de obrigação no sentido de justificar ou fundamentar, ou seja, sem qualquer critério objetivo, pode o consumidor optar por uma entre as três acima descritas. Caberá a ele, subjetivamente, escolher a opção que melhor lhe aprouver.
Sem dúvida, a opção pelo desfazimento do negócio, ou seja, a rescisão contratual nos parece ser a mais onerosa à empresa, haja vista que envolve devolução de valores pagos, resgate de títulos eventualmente repassados, quitação de contratos de financiamento (quando for o caso de utilização de crédito direto ao consumidor), retirada do produto, providências fiscais e administrativas, comissões etc.
Esse problema se torna muito maior quando nos referimos a produtos altamente customizados, como no caso de móveis planejados, serviços de reforma com decoração, ou qualquer outro produto ou serviço que represente a probabilidade absoluta de perda do bem em caso de necessidade de retirada do local onde se encontra instalado.
Evidentemente, um eletrodoméstico ou um automóvel fabricados em série, que sejam devolvidos ao fornecedor por conta de um vício, na pior das hipóteses, ensejarão gastos com os reparos, mas poderão ser novamente comercializados, ainda que por valores menores, é claro. Mas a perda não será completa, em geral.
Já com relação a produtos customizados, que levam em consideração as necessidades e gostos pessoais do consumidor, além do tipo de material que compõe o produto, a rescisão contratual significa quase que a perda integral do produto, já que dificilmente se conseguirá alguém que se interesse ou que tenha o mesmo gosto e/ou necessidade que o consumidor anterior, além da probabilidade altíssima de quebra dos itens por ocasião da desmontagem.
Portanto, poucas não são as vezes em que consumidores, talvez desprovidos de boa-fé, acabam por pedir a rescisão dos contratos de fornecimento de produtos ou serviços sem terem permitido ao fornecedor o reparo dos produtos, confiantes de que lhe serão concedidas vantagens indevidas, em virtude dos riscos acima expostos.
A interpretação teleológica da lei não nos permite dizer que os artigos até aqui citados representem a afirmação legal de que os fornecedores são maus e que merecem toda a sorte de punições; ao contrário disso, a norma que protege os consumidores deixa claro que apenas em caso de não cumprimento de suas obrigações, defere-se ao consumidor a imposição de sua vontade (subjetiva) com relação ao deslinde da relação jurídica em questão.
O objetivo, aqui, é obrigar o fornecedor a cumprir sua obrigação de reparar o vício do produto no prazo legal, ou pactuado, sob pena de se deferir ao consumidor o direito de escolher entre as três hipóteses do Art. 18, §1º.
Em oportunidades como essas, evidente que o fornecedor deva ter o direito de cumprir sua obrigação no prazo legal ou contratual, antes que o consumidor lance mão das hipóteses do parágrafo primeiro do artigo 18 do CDC.
E quando nos referimos ao direito de cumprir sua obrigação, há que se entender SEM ÓBICES OU LIMITAÇÕES por parte do consumidor.
É evidente que a legislação não limita ou estabelece datas e horários certos em que a obrigação deva ser cumprida, portanto, o produto deverá estar à disposição do fornecedor a partir do dia seguinte à informação inequívoca do consumidor àquele (fornecedor).         

  A rescisão contratual sem a oportunidade de reparar o vício ou defeito por parte do fornecedor, representa um empobrecimento ilícito deste último, de acordo com exposto neste texto, devendo os defensores dos fornecedores, em caso de demanda pleiteando a decisão judicial nesse sentido, atentarem para tal situação e, quando verificada a ausência de boa-fé do consumidor, alertarem ao magistrado para que este aplique a lei com o objetivo para a qual foi criada, ou seja, utilizando-se da interpretação teleológica da norma.