Por: Marcelo Gamboa Serrano
Sócio-Titular do escritório Gamboa Serrano Advogados Associados
Muito se fala sobre o direito dos consumidores inerente à assistência técnica em caso de vícios ou defeitos apresentados no produto.
Não há dúvida quanto a tal direito mas, pensando
estrategicamente na questão, por qual motivo o fornecedor não o faria?
Por óbvio, em situações claras de problemas oriundos
de mau uso, culpa de terceiros ou de que o produto não tenha sido colocado no
mercado (produtos de outros fornecedores ou falsificados, por exemplo), as
empresas fornecedoras não têm a obrigação de prestar assistência técnica, nos
moldes do Art.12, §3º do Código de Defesa do Consumidor (ou Art. 14 no caso de
serviços) que assim determina:
Art. 12. O fabricante, o
produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção,
montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus
produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua
utilização e riscos.
§ 3° O
fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado
quando provar:
No entanto, quando o consumidor, nos moldes do
artigo 18, §1º da mesma lei, não tiver seu problema resolvido dentro do
trintídio legal ou prazo estipulado em contrato (Art. 18, §2º), poderá optar
entre a substituição do produto, rescisão contratual ou abatimento proporcional
do preço, conforme se verifica abaixo:
Art. 18. Os fornecedores de
produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos
vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao
consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles
decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da
embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações
decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das
partes viciadas.
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o
consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
II - a
restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo
de eventuais perdas e danos;
Desta forma, de acordo com o seu interesse ou
vontade, sem qualquer tipo de obrigação no sentido de justificar ou
fundamentar, ou seja, sem qualquer critério objetivo, pode o consumidor optar
por uma entre as três acima descritas. Caberá a ele, subjetivamente, escolher a
opção que melhor lhe aprouver.
Sem dúvida, a opção pelo desfazimento do negócio, ou
seja, a rescisão contratual nos parece ser a mais onerosa à empresa, haja vista
que envolve devolução de valores pagos, resgate de títulos eventualmente
repassados, quitação de contratos de financiamento (quando for o caso de utilização
de crédito direto ao consumidor), retirada do produto, providências fiscais e
administrativas, comissões etc.
Esse problema se torna muito maior quando nos
referimos a produtos altamente customizados, como no caso de móveis planejados,
serviços de reforma com decoração, ou qualquer outro produto ou serviço que
represente a probabilidade absoluta de perda do bem em caso de necessidade de
retirada do local onde se encontra instalado.
Evidentemente, um eletrodoméstico ou um automóvel fabricados
em série, que sejam devolvidos ao fornecedor por conta de um vício, na pior das
hipóteses, ensejarão gastos com os reparos, mas poderão ser novamente
comercializados, ainda que por valores menores, é claro. Mas a perda não será
completa, em geral.
Já com relação a produtos customizados, que levam em
consideração as necessidades e gostos pessoais do consumidor, além do tipo de
material que compõe o produto, a rescisão contratual significa quase que a
perda integral do produto, já que dificilmente se conseguirá alguém que se
interesse ou que tenha o mesmo gosto e/ou necessidade que o consumidor
anterior, além da probabilidade altíssima de quebra dos itens por ocasião da
desmontagem.
Portanto, poucas não são as vezes em que
consumidores, talvez desprovidos de boa-fé, acabam por pedir a rescisão dos
contratos de fornecimento de produtos ou serviços sem terem permitido ao
fornecedor o reparo dos produtos, confiantes de que lhe serão concedidas
vantagens indevidas, em virtude dos riscos acima expostos.
A interpretação teleológica da lei não nos permite
dizer que os artigos até aqui citados representem a afirmação legal de que os
fornecedores são maus e que merecem toda a sorte de punições; ao contrário
disso, a norma que protege os consumidores deixa claro que apenas em caso de
não cumprimento de suas obrigações, defere-se ao consumidor a imposição de sua
vontade (subjetiva) com relação ao deslinde da relação jurídica em questão.
O objetivo, aqui, é obrigar o fornecedor a cumprir
sua obrigação de reparar o vício do produto no prazo legal, ou pactuado, sob
pena de se deferir ao consumidor o direito de escolher entre as três hipóteses
do Art. 18, §1º.
Em oportunidades como essas, evidente que o
fornecedor deva ter o direito
de cumprir sua obrigação
no prazo legal ou contratual, antes que o consumidor lance mão das hipóteses do
parágrafo primeiro do artigo 18 do CDC.
E quando nos referimos ao direito de cumprir sua
obrigação, há que se entender SEM ÓBICES OU LIMITAÇÕES por parte do consumidor.
É evidente que a legislação não limita ou estabelece
datas e horários certos em que a obrigação deva ser cumprida, portanto, o
produto deverá estar à disposição do fornecedor a partir do dia seguinte à
informação inequívoca do consumidor àquele (fornecedor).
A rescisão
contratual sem a oportunidade de reparar o vício ou defeito por parte do
fornecedor, representa um empobrecimento ilícito deste último, de acordo com
exposto neste texto, devendo os defensores dos fornecedores, em caso de demanda
pleiteando a decisão judicial nesse sentido, atentarem para tal situação e,
quando verificada a ausência de boa-fé do consumidor, alertarem ao magistrado
para que este aplique a lei com o objetivo para a qual foi criada, ou seja,
utilizando-se da interpretação teleológica da norma.